Um fertilizante de vidro desenvolvido por pesquisadores brasileiros promete ser uma alternativa para o manejo do solo de plantações com uma série de vantagens sobre os modelos convencionais. Além de ser mais eficiente e reduzir a necessidade de reaplicações, em razão de sua dissolução prolongada, o material causa menos impacto ao meio ambiente.
A inovação foi criada por uma equipe do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) e da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), da Universidade de São Paulo (USP), com apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
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A formulação vítrea foi sintetizada incorporando macro e micronutrientes necessários para as diferentes etapas do desenvolvimento vegetal, como fósforo, potássio, silício, magnésio, boro e cálcio.
A característica do material permite que os compostos sejam liberados de forma controlada, não sejam removidos do solo pela infiltração de água e nem provoquem a eutrofização – o aumento excessivo de nutrientes – de lençóis freáticos, rios e lagos. Processado em partículas de cerca de 1mm, o produto pode ser aplicado da mesma forma que já é feita a fertilização tradicional.
O químico Danilo Manzani, coordenador do Laboratório de Materiais Inorgânicos e Vítreos do IQSC e um dos responsáveis pela pesquisa, conta que o desempenho agronômico do fertilizante de vidro demonstrou ser 70% superior ao NPK convencional nos testes in vitro e em casas de vegetação.
“Quando mudamos a composição do vidro, conseguimos ajustar sua dissolução. Nosso intuito é futuramente conseguir formular composições específicas para culturas específicas”, explica.
Como o processo de síntese do vidro passa por um aquecimento de até 1.100 ºC, os primeiros materiais sintetizados não incluíram nitrogênio e enxofre, que não podem ser incorporados a essa temperatura. Mas os pesquisadores já têm uma alternativa para contornar o problema, que envolve o encapsulamento dos compostos em uma estrutura de biopolímero, que permita a incorporação ao vidro e sua posterior dissolução em solo.

As pesquisas começaram em 2018, quando Manzani estudava vidros especiais, que dispensam o uso de sílica, principal componente dos vidros utilizados no dia a dia. Um dos problemas das estruturas que o pesquisador desenvolvia era justamente a baixa resistência química à umidade.
“Eu fazia um vidro de fosfato para uma aplicação em óptica, por exemplo, e via que com o tempo ele deteriorava, em razão da umidade atmosférica”, conta. Conversando com o engenheiro de materiais Eduardo Bellini Ferreira, da EESC, ambos tiveram a ideia de lançar mão dessa característica para criar o fertilizante de vidro, que dependia justamente desse “problema”.
A composição envolveu ainda os pós-graduandos Liane Miranda e o José Hermeson. Para garantir que o material não tivesse efeitos tóxicos ou mutagênicos nas plantas, a equipe contou ainda com a colaboração da bióloga molecular Dânia Christofoletti Mazzeo, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que realizou testes ecotoxicológicos com sementes de alface e cebola.
Os experimentos em casas de vegetação contaram com a parceria de Alberto Bernardi e Ana Rita Nogueira, da Embrapa Pecuária Sudeste. Os resultados foram publicados em fevereiro em no artigo Design and Performance of a Multicomponent Glass Fertilizer for Nutrient Delivery in Precision Agriculture, no periódico ACS Agricultural Science & Technology.
Manzani explica que o processo de fabricação do fertilizante é o mesmo pelo qual passa o vidro convencional, o que significa que a produção pode ser ampliada facilmente para nível industrial.
Embora o custo de sintetização seja mais elevado que o do NPK convencional, ele destaca que, além da frequência menor de reaplicação e da possibilidade de direcionar compostos para seções específicas das plantações onde haja carência de determinados nutrientes, há menor perda de material.
“Para se ter ideia, em torno de 20% a 30% do NPK aplicado no solo é absorvido pela planta, enquanto o resto é lixiviado. Então há um impacto ambiental bastante grande, que a gente consegue resolver com a aplicação desses materiais com liberação lenta”, explica.
“Ainda não precificamos o produto, porque há muitos parâmetros para se colocar na balança, mas a gente acredita que tem uma vantagem em relação à produção de NPK”, diz. Embora prefira não se comprometer com prazos, o pesquisador acredita que em cerca de um a dois anos o produto possa estar disponível no mercado.