O então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, apoiou a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), que aconteceu em dezembro de 2001.
Quase 24 anos depois, é impossível vislumbrar que volte a haver o mesmo nível de colaboração entre os dois países, que travam uma disputa comercial que se espraia para outras áreas e coloca o mundo numa espécie de nova Guerra Fria, como foi chamada a disputa entre os americanos e a União Soviética.
No seu primeiro mandato (2017-2021), o presidente Donald Trump iniciou uma guerra tarifária com a China, que foi mantida pelo seu sucessor, Joe Biden (2021-2025), e intensificada quando o republicano voltou à Casa Branca, em janeiro deste ano.
Após o governo Trump impor tarifas extras sobre importações da China, Pequim retaliou, o que levou a uma escalada nas taxas. Os Estados Unidos elevaram para 145% as tarifas sobre as compras que fazem da China, enquanto os chineses aplicaram 125% sobre produtos americanos.
Em maio, as duas maiores economias do mundo informaram que chegaram a um acordo no qual as taxas americanas sobre importações da China foram reduzidas para 30% durante 90 dias, enquanto Pequim baixou suas taxas sobre produtos americanos para 10%. A ideia é chegar a um acordo nesse período, mas as hostilidades permanecem.
“Os Estados Unidos e a China estão em um estado de dissociação econômica e não parece haver nenhuma proteção para impedir que a escalada das tensões comerciais se espalhe para outras áreas”, disse Rick Waters, ex-diplomata americano que agora dirige o centro da China no Fundo Carnegie Para a Paz Internacional, em entrevista ao The Wall Street Journal. “Está ficando mais difícil argumentar que não estamos em uma nova Guerra Fria.”
De fato, as disputas comerciais entre Washington e Pequim se estendem para questões geopolíticas – como as ameaças de Trump de anexar a Groenlândia, para frear a presença da China e da Rússia no Ártico, e o Canal do Panamá, em resposta ao crescimento chinês na América Latina –, o que aquece a retórica militar.
De acordo com dados do think tank americano Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês), os Estados Unidos e a China são os dois países do mundo que mais gastam em defesa.
O orçamento de defesa da China cresceu 7,4% em termos reais em 2024, chegando a US$ 235 bilhões, enquanto os Estados Unidos gastaram US$ 968 bilhões na área e pretendem chegar à marca de US$ 1 trilhão em breve.
Washington faz pressão sobre Pequim a respeito das agressões de aliados chineses, como a invasão russa à Ucrânia, e alertas sobre o plano de invasão de Taiwan (país que recebe ajuda militar americana), e o projeto de Trump do Domo Dourado, um sistema de satélites e mísseis capaz de detectar e interceptar ataques ao território americano que deve estar em funcionamento até o início de 2029, foi criticado pelo Ministério das Relações Exteriores da China.
“[O Domo Dourado] aumentará o risco de transformar o espaço sideral em um campo de batalha e iniciar uma corrida armamentista”, afirmou a pasta, citando outra área (espacial) onde os dois países se enfrentam.
Receio de espionagem da China e briga por terras raras motivaram medida dos EUA
Como na Guerra Fria original, o receio de espionagem por parte do rival é grande nos Estados Unidos. No mês passado, o The Stanford Review, jornal da universidade californiana, revelou o caso de um chinês, Charles Chen, que se fazia passar por estudante da instituição para espionar para Pequim.
“[…] ele se passou por um estudante de Stanford durante anos, alterando ligeiramente seu nome e identidade online, visando diversos estudantes, quase todos mulheres, que pesquisavam tópicos relacionados à China”, afirmou o jornal.
Especialistas em China que auxiliaram uma das estudantes visadas por Chen afirmaram que ele provavelmente era um agente do Ministério da Segurança chinês, “encarregado de identificar estudantes simpatizantes em Stanford e coletar informações de inteligência”.
O receio de infiltração foi o que motivou uma decisão recente do Departamento de Estado de cancelar vistos de estudantes chineses matriculados em universidades americanas.
Entretanto, o portal Axios apurou que a medida também foi uma resposta à decisão da China de reter exportações de terras raras, minerais estratégicos para as indústrias de tecnologia e automotiva, entre outras.
“A China, talvez sem causar surpresa para alguns, violou totalmente seu acordo conosco. Chega de ser o cara legal!”, escreveu Trump na Truth Social na sexta-feira passada (30). O caso ilustra como as disputas comerciais e de segurança entre Estados Unidos e China estão entrelaçadas.
Na quinta-feira (5), Trump conversou com o ditador chinês, Xi Jinping, diálogo que o mandatário americano classificou como “muito produtivo”, e novas negociações comerciais serão realizadas na semana que vem, mas as tensões permanecem.
O mundo, enquanto isso, prende a respiração: em abril, a diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, disse que, com a guerra tarifária, o comércio entre os dois países pode diminuir em até 80%. Nesse cenário, o PIB global poderia sofrer uma queda de 7%, alertou.
Num cenário de confronto militar direto ou por procuração entre as duas maiores potências do mundo hoje, as consequências seriam ainda mais imprevisíveis.