O PIB avança, o desemprego está próximo do piso da série histórica, a Bolsa de Valores tem subido. O cenário levou o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, a afirmar dias atrás que “o país está muito bem”. A frase ecoou declaração semelhante da ministra do Planejamento, Simone Tebet, que em março disse nunca ter visto momento econômico tão positivo. Apesar da comemoração do governo Lula, uma série de indicadores mostra que a realidade da economia é mais preocupante:
- a inflação é alta e persistente, devendo seguir nessa toada pelo menos até agosto;
- os juros alcançaram os maiores níveis em quase duas décadas;
- a inadimplência bateu recorde, tanto nas famílias quanto nas empresas;
- recuperações judiciais e falências batem recordes; e
- a confiança de empresários e consumidores está caindo.
1. Inflação é a maior em mais de dois anos
A inflação se mostra persistente e em níveis elevados. O IPCA acumulado em 12 meses atingiu 5,53% até abril, segundo o IBGE — o maior índice em mais de dois anos, mais de um ponto percentual acima do teto da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). O Bradesco projeta que o pico da inflação ocorrerá ocorrerá apenas em agosto.
O mercado de trabalho aquecido é um dos principais fatores que contibuem para jogar os preços para cima. Apesar de o desemprego ter subido de 6,1% em novembro para 6,6% em abril, o indicador para esse mês foi o menor desde o início da série histórica.
A combinação de baixo desemprego, geração de empregos formais, crescimento real de salários e o impulso dos gastos governamentais ajudam a sustentar a demanda e, consequentemente, os preços. Em paralelo, problemas de oferta fizeram disparar a inflação dos alimentos.
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2. Taxa de juros chegou ao maior nível em quase duas décadas
A persistência da inflação levou o Banco Central a apertar a política monetária. A taxa básica de juros (Selic) está em alta desde o segundo semestre de 2024, e na última reunião o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a Selic para 14,75% ao ano. A taxa é a maior em 19 anos.
Analistas acreditam que o ciclo de alta possa ter terminado. Os contratos futuros na B3 indicavam, na sexta (30), 66% de probabilidade de manutenção da Selic na próxima reunião, na segunda quinzena de junho. Cortes, na melhor das hipóteses, devem acontecer somente a partir de junho e o retorno das taxas a um dígito não deve ocorrer antes de 2028, segundo o boletim Focus, que reúne expectativas coletadas pelo BC juinto a instituições financeiras e consultorias.
Outra preocupação dos economistas é com os desdobramentos do cenário fiscal. O Itaú alerta que eventuais mudanças nas regras fiscais em 2026 representam o principal risco, podendo exigir juros elevados por um período mais prolongado.
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3. País nunca teve tantas empresas e pessoas com dívidas em atraso
A combinação de juros altos e inflação persistente tem causado efeitos devastadores na economia. Em abril, 76,6 milhões de brasileiros (47,1% da população ativa) acumulavam dívidas em atraso superior a 90 dias, totalizando R$ 457,4 bilhões. No setor empresarial, 7,3 milhões de companhias estavam negativadas (31,9% do total nacional), com dívidas de R$ 180 bilhões. A inadimplência de pessoas físicas e jurídicas atingiu os maiores patamares desde 2016, início da série histórica da Serasa Experian.
Os pequenos negócios são os mais vulneráveis. Das empresas inadimplentes, 6,9 milhões são de micro, pequeno e médio porte, acumulando R$ 146,2 bilhões em débitos. “Eles têm menor capital de giro, maior dependência do crédito bancário e menos margem para absorver oscilações”, explica Camila Abdelmalack, economista da Serasa Experian.
Pesquisa da CNC mostra que 77,6% das famílias brasileiras tinham dívidas pendentes em abril — o maior percentual desde agosto. Entre elas 12,4% não conseguem quitar débitos em atraso, interrompendo em abril uma queda de três meses consecutivos neste indicador. No mesmo período de 2023, o índice era 12,1%.
4. Pedidos de recuperação judicial continuam batendo recordes
Após baterem recorde em 2024, os pedidos de recuperação judicial continuam em alta neste ano. Até março, foram 2.243 solicitações em 12 meses — maior número desde a criação da modalidade em 2005, segundo a Serasa Experian.
A RGF Associados contabiliza 4.881 empresas em recuperação judicial no primeiro trimestre — o maior número desde 2023. A indústria lidera com 1.112 companhias, especialmente do agronegócio (usinas de açúcar e álcool, laticínios, frigoríficos). O setor de serviços vem em seguida, com 1.105 empresas. Os números não incluem empresas com CNPJs inativos, microempresas, ONGs, entidades governamentais e filiais.
Os números acendem um alerta: o número de empresas buscando reestruturação judicial não apenas se mantêm em níveis preocupantes, mas está em trajetória de crescimento, num cenário de alto custo de crédito e fluxo de caixa apertado. Outro fator que pesa, na avaliação da RGF, são problemas de gestão.
As falências também aumentam. A Justiça decretou 844 quebras nos 12 meses até março — o maior número desde abril de 2020, durante a crise causada pela pandemia da Covid-19.
5. Empresários e consumidores estão pessimistas
A confiança de consumidores e empresas permanece baixa. A indústria mantém perspectiva pessimista há cinco meses consecutivos, aponta a CNI, com pequenas e médias empresas demonstrando maior apreensão. De 29 segmentos analisados, 23 estão com baixa confiança.
Entre os consumidores, a confiança é baixa especialmente nas famílias de baixa renda — o indicador caiu pelo quinto mês consecutivo. A intenção de consumo das famílias diminuiu em maio pelo quarto mês seguido, refletindo o impacto de juros, inflação e endividamento crescente.
A construção civil registra a menor confiança desde junho de 2021, aponta a CNI. Embora exista otimismo moderado com a demanda futura, as dificuldades com juros altos e custos elevados pesam no sentimento do setor.
Situação parecida vive o comércio. Apesar de a confiança empresarial ter aumentado em maio, ela ainda está em níveis bem baixos, segundo levantamento divulgado na sexta-feira (30) pela CNC. Os comerciantes avaliam que as condições atuais – a percepção sobre o cenário econômico, o setor e a empresa – estão 10,5% piores em relação ao mesmo mês de 2024.
O segmento de bens duráveis – como lojas de eletrônicos, eletrodomésticos, móveis, decoração, veículos e materiais de construção – é o menos otimista. “A maior sensibilidade às taxas de juros ajuda a explicar a situação”, expica João Marcelo Costa, economista da entidade.