STF pode transferir à população custo de derrotas judiciais do MP

STF pode transferir à população custo de derrotas judiciais do MP


O Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a julgar, possivelmente entre os meses de julho e agosto, se o Ministério Público (MP) pode ser condenado a pagar custas processuais, despesas e honorários advocatícios quando for derrotado em ações judiciais. Na avaliação de especialistas, a decisão pode trazer graves consequências aos cofres públicos. Por outro lado, o debate não abrange outras formas de resolver eventuais abusos dos promotores, como a responsabilização individual por erros e condutas indevidas.

Em geral, quando pessoas, empresas ou entidades entram com um processo na Justiça contra um terceiro que não envolva o Ministério Público e perdem, normalmente, são obrigadas a pagar os custos processuais da parte vencedora.

Esses custos correspondem ao pagamento de honorários de advogados e de produção e manipulação de documentos, como ofícios, certificações e outros procedimentos burocráticos necessários à operação diária dos tribunais. Em alguns casos, essas despesas podem chegar a dezenas de milhares de reais e, em processos que não tenham a participação do Ministério Público, nada deverá mudar com o que está em tramitação no STF.

Mas o Ministério Público não está necessariamente sujeito a essa lógica de pagamentos e indenizações que afeta as partes em um processo. O órgão representa o Estado na acusação de suspeitos de crimes, proteção de pessoas mais vulneráveis, como crianças e idosos, vigia o uso de recursos públicos e atua em causas coletivas de direito civil.

Atualmente, não há regra constitucional nem legal que automaticamente isente ou condene o Ministério Público a pagar indenizações e custos processuais. Essa possibilidade depende da interpretação de cada tribunal, sem um entendimento unificado.

Assim, caberá ao STF decidir se essa responsabilidade é compatível com o papel constitucional do Ministério Público ou se compromete sua atuação essencial como fiscal da lei.

A discussão foi motivada por um caso concreto em que o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que o Ministério Público arcasse com as custas de um processo no qual foi derrotado. Os promotores paulistas acusaram um ex-presidente da Câmara Municipal da cidade de Jandira, no interior do estado, de mau uso de recursos públicos.

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População teria que pagar por indenizações cobradas do Ministério Público

Caso a ação seja bem-sucedida na Suprema Corte, os impactos negativos para o Ministério Público seriam diversos. Entre as possibilidades estão o comprometimento da independência do órgão, a inibição de suas atividades e um aumento de processos movidos especialmente por políticos para ganhar indenizações.

Além disso, a atuação do Ministério Público poderia ser judicializada, gerando custos que seriam arcados pela população, já que as indenizações sairiam dos cofres públicos, pagos com impostos.

O constitucionalista André Marsiglia alerta: “Seria mais uma conta para a população pagar”. O advogado acredita que, mais do que medidas como indenizações pagas com dinheiro do contribuinte, o combate a abusos de autoridade por parte de juízes e promotores deve passar pelo fortalecimento das leis e dos órgãos de fiscalização e não por uma decisão do STF.

“As leis de abuso de autoridade deveriam se tornar mais ativas e mais severas. Simplesmente indenizar as pessoas com dinheiro público não vai modificar a conduta abusiva de juízes e procuradores”, defende.

Ele destaca que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deveria atuar de forma mais independente, fiscalizando efetivamente magistrados que cometem excessos, ao invés de funcionar como um “puxadinho do STF”.

Para Marsiglia, o mesmo vale para as corregedorias do Ministério Público, que deveriam buscar a autocontenção de procuradores e promotores. “Punir juízes e promotores seria um precedente que eles nunca abrem espaço para acontecer, infelizmente. Esse deveria ser o foco, mas entendo que não vão fazer, porque seria cortar na carne”, afirma.

O advogado reforça que é preciso avançar na responsabilização individual de autoridades que extrapolam os limites de suas funções, como forma de garantir um sistema mais justo e equilibrado.

Debate não envolve responsabilização individual de procuradores e promotores

O advogado Alessandro Chiarottino, professor de Direito Constitucional e doutor em Direito pela USP e experiente em casos envolvendo o STF, avalia que a proposta em discussão não deva prosperar. Segundo ele, impor essa responsabilidade ao Ministério Público seria o mesmo que transferir o ônus financeiro à sociedade. “Seria o pagador de impostos a arcar com essa dívida. De que adianta multar uma entidade na qual o dinheiro é público?”, questiona.

Para Chiarottino, seria mais adequado discutir a responsabilização individual de procuradores e promotores que abusarem da função, modelo que já está sendo estudado em alguns países. “Aqui no Brasil, infelizmente, a magistratura tem cada vez mais decidido segundo a sua vontade e não segundo a lei, em parte pelo mau exemplo do STF. É um tema urgente, mas muito difícil de avançar na atual conjuntura”, salienta.

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Caso que deu origem ao processo corresponde à decisão da Justiça de São Paulo

A matéria já foi reconhecida no STF como de repercussão geral, ou seja, a decisão tomada nesse caso vai valer para todas as ações em que o MP saia derrotado.

O caso concreto que motivou o recurso envolve uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que determinou que o Ministério Público paulista arcasse com os custos de um processo no qual buscava, sem sucesso, a condenação de um ex-presidente da Câmara Municipal de Jandira (SP) a ressarcir R$ 29,4 mil por transações consideradas irregulares. Os promotores pensavam ter encontrado inconsistências em sua prestação de contas, mas elas acabaram não sendo consideradas crime pela Justiça.

Após obter a reversão da penhora de seus imóveis, o ex-vereador venceu a disputa judicial, e o MP foi condenado ao pagamento das despesas.

No recurso extraordinário que levou ao STF, o Ministério Público argumenta que a decisão do TJ-SP “viola a Constituição, comprometendo sua autonomia funcional”.

O relator no Supremo, ministro Alexandre de Moraes, diz que o julgamento servirá para definir os limites da responsabilidade processual do Ministério Público, “assegurando sua independência constitucional”.

Porém, o advogado Alessandro Chiorattino faz um alerta: “há que se ter cuidado para não ter o efeito negativo de tornar o Ministério Público muito reticente em agir”. Segundo ele, trata-se de um equilíbrio delicado.

O advogado afirma que, dependendo de como for desenhada a norma, pode haver risco à independência funcional do Ministério Público e inibição da sua atuação constitucional na defesa do patrimônio público.

O advogado especialista em Direito Público Marcio Berti, membro da Escola Brasileira de Atuação nos Tribunais Superiores, também atenta para o risco financeiro para o Ministério Público – e por consequência à população.

A medida pode desestimular a atuação proativa do órgão em ações civis públicas ou de ressarcimento ao erário, justamente áreas em que a atuação firme do órgão é fundamental para o controle da administração pública e o combate à corrupção, na avaliação do especialista.

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Decisão pode estimular disputas para que Ministério Público saia perdedor

Os especialistas também avaliam que a possibilidade de condenar o Ministério Público a pagar custos processuais pode estimular litigantes a recorrerem mais, na expectativa de obter a condenação do órgão ao pagamento de despesas. Isso poderia transformar o processo judicial em uma ferramenta para enfraquecer financeiramente a atuação do MP.

Os juristas avaliam que, embora as despesas sejam pagas institucionalmente, eventuais condenações recorrentes do Ministério Público devem gerar um impacto orçamentário significativo, afetando a destinação de recursos para outras funções essenciais da instituição, como investigações e o monitoramento de políticas públicas.

“A decisão pode abrir precedente para o questionamento e a judicialização de outras prerrogativas institucionais do Ministério Público, ampliando o risco de interferência externa na definição de suas funções e na sua atuação estratégica”, analisa o especialista em Direito Público Márcio Nunes. Ele acrescenta que esse deveria ser um tema a ser tratado pelo Legislativo e não pelo Judiciário.

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) foi procurado pela Gazeta do Povo para comentar a questão. Em nota, a entidade disse que não foram registradas manifestações ou representações sobre o assunto e que o órgão não se pronuncia sobre “questões hipotéticas”, limitando-se a tratar apenas de temas que estejam formalmente em análise ou em tramitação interna.

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Pauta no Legislativo também quer responsabilização financeira do Ministério Público

Paralelamente ao julgamento em andamento no STF, está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4.082/2023, proposto pelo deputado Otto Alencar Filho (PSD–BA). A proposta altera dispositivos da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985) e da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), com o objetivo de autorizar a condenação do autor da ação — incluindo o Ministério Público — ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios nos casos em que houver derrota judicial.

A exceção prevista no projeto é para associações civis, que ficariam isentas dessa responsabilidade. Segundo o autor, isso representaria um marco relevante porque introduz uma possível responsabilização financeira dos órgãos que atuam em defesa do patrimônio público.

A proposta ainda tramita na Comissão de Finanças e Tributação, onde foi aprovada a admissibilidade sem implicações orçamentárias. Caso avance, a mudança pode impactar diretamente o Ministério Público e outros órgãos, levando-os a repassar eventuais custos de ações malsucedidas.

O tema, similar ao que está prestes a ser debatido pelo STF, foi pauta de uma reunião da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público em março passado. A instituição apontou uma série de alegadas inconsistências no texto e o classificou como inconstitucional.

Em nota técnica, a entidade apontou diversos riscos relacionados à proposta de obrigar o Ministério Público a arcar com custos e honorários em caso de derrota judicial. Segundo a entidade, a medida afronta a autonomia funcional do Ministério Público, ao comprometer sua independência para agir em defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis.



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