Por que Trump e os aiatolás temem o “fator Kadafi” no Irã

Por que Trump e os aiatolás temem o “fator Kadafi” no Irã



Muitos se perguntam por que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não deu sequência aos ataques que autorizou no fim de semana passado contra instalações nucleares do Irã e não está buscando a queda do regime dos aiatolás no país asiático. Isso ocorre porque o mandatário republicano teme o “fator Kadafi”, assim como a ditadura iraniana – cada um conforme suas preocupações.

Antes dos bombardeios de domingo (22), fontes da Casa Branca ouvidas pelo jornal The New York Post haviam afirmado que Trump estava mais inclinado a autorizar apenas “ataques limitados” ao Irã – que realmente acabaram sendo a opção do presidente – porque temia que a queda do líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, poderia transformar o país persa em “outra Líbia”.

A referência é à crise que ocorre no país do norte da África desde 2011, quando um levante iniciado a partir da Primavera Árabe e uma intervenção da Otan levaram à queda e morte do ditador Muammar Kadafi. Desde então, ocorreram duas guerras civis na Líbia e o controle das regiões do país está fragmentado entre grupos rivais.

Uma das fontes ouvidas pelo New York Post disse que a preocupação de Trump é que “alguém pior que Khamenei” tome o poder no Irã e/ou que haja uma instabilidade prolongada, semelhante à que ocorre na Líbia.

“Há dois motivos pelos quais Trump fala sobre a Líbia: o primeiro é o caos depois do que nós [Estados Unidos] fizemos com Kadafi. O segundo é que a intervenção na Líbia tornou mais difícil negociar acordos com países como Coreia do Norte e Irã”, disse a fonte.

Não é a primeira vez que Trump manifesta temor sobre o “fator Kadafi” no mundo islâmico. Em 2015, quando era pré-candidato à presidência, ele falou sobre o assunto em entrevista à CNN.

“Quero dizer, veja a Líbia. Veja o Iraque. O Iraque costumava não ter terroristas. Ele [o ex-ditador Saddam Hussein] matava os terroristas imediatamente, e agora [o Iraque] parece a Harvard do terrorismo”, disse Trump.

“Se você olhar para o Iraque de anos atrás, não estou dizendo que ele [Hussein] era um cara legal, ele era um cara horrível, mas [a situação] era muito melhor do que é agora. Agora, o Iraque é um campo de treinamento para terroristas. Agora, a Líbia, ninguém nem reconhece a Líbia, francamente, não existe Iraque e não existe Líbia. Está tudo destruído. Eles não têm controle. Ninguém sabe o que está acontecendo”, argumentou.

Após os bombardeios ao Irã no domingo, Trump deu sinais contraditórios sobre o tema. Depois dos ataques, o vice-presidente J. D. Vance e o secretário de Defesa, Pete Hegseth, afirmaram que a operação visou apenas impedir que os iranianos tenham uma arma nuclear e que os Estados Unidos não buscam uma mudança de governo no país asiático.

Porém, no mesmo dia, Trump fez uma provocação na rede Truth Social. “Não é politicamente correto usar o termo ‘mudança de regime’, mas se o atual regime iraniano não é capaz de tornar o Irã grande novamente, por que não haveria uma mudança de regime? MIGA!”, escreveu Trump.

A sigla MIGA (“Faça o Irã Grande Novamente”, em inglês) é uma referência ao bordão eleitoral de Trump, MAGA (“Faça a América Grande Novamente”).

Antes da ofensiva americana, o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, havia pedido um levante popular no Irã para derrubar Khamenei, e o ministro da Defesa, Israel Katz, disse que o líder supremo “não pode mais ter permissão para continuar existindo”.

Entretanto, após a publicação na Truth Social, Trump voltou a afirmar que não quer uma mudança de regime no Irã. Na terça-feira (24), quando entrou em vigor um cessar-fogo entre israelenses e iranianos, ele disse: “Se acontecer, aconteceu, mas não, eu não quero [uma mudança de regime]. Gostaria de ver tudo se acalmar o mais rápido possível”.

“Mudanças de regimes geram caos, e idealmente não queremos ver tanto caos”, argumentou.

No Irã, o temor do “fator Kadafi” tem outra origem: que o país seja atacado novamente pelos Estados Unidos e por Israel mesmo que abra mão do seu programa nuclear.

Muammar Kadafi concordou em desmantelar seu programa de desenvolvimento de armas de destruição em massa, incluindo nucleares, em 2003, e foi derrubado com ajuda do Ocidente oito anos depois.

“Os eventos das últimas duas semanas, tenho certeza, abriram debates reais dentro da Guarda Revolucionária, entre aqueles que dizem, ‘Ouçam, vejam os exemplos da Líbia – a Líbia de Muammar Kadafi, o Iraque de Saddam Hussein, a Ucrânia’”, afirmou Karim Sadjadpour, analista político iraniano-americano do think tank Fundo Carnegie para a Paz Internacional, em entrevista à rádio NPR.

“Esses foram países que ou desistiram de sua opção nuclear ou não conseguiram obter uma arma nuclear, e todos eles se tornaram vulneráveis ​​à intervenção externa, enquanto a [ditadura da] Coreia do Norte conseguiu se manter no poder porque tem esse ‘manto de imunidade’ nuclear”, argumentou.

Em artigo, Matthew Chance, correspondente-chefe de assuntos globais da CNN, disse que, mesmo que os danos às instalações nucleares do Irã tenham sido tão significativos quanto os relatados por Trump e Netanyahu, nomes mais radicais dentro do regime de Khamenei podem se tornar ainda mais influentes a partir de agora e pressionar para que a busca por armas nucleares seja acelerada.

“Há anos, vozes linha-dura dentro da República Islâmica vêm clamando por uma arma nuclear como forma de dissuasão contra exatamente esse tipo de ataque avassalador”, disse Chance.

“Mesmo que o Irã continue a insistir que seu programa nuclear tem fins estritamente pacíficos, esses apelos agora inevitavelmente terão sido reforçados e os defensores da linha-dura nuclear podem finalmente conseguir o que querem”, alertou.



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