mãe será julgada por educar filho em casa em SC

mãe será julgada por educar filho em casa em SC



No extremo oeste catarinense, a história da advogada e educadora Regiane Cichelero, de 34 anos, deixou os limites do município de Guarujá do Sul para ganhar projeção nacional — e agora internacional. Nesta terça-feira (1º), ela será julgada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina por ter optado, ainda em 2021, por educar seu filho fora do sistema tradicional de ensino. O caso reacende o debate sobre os direitos dos pais, os limites do Estado e o futuro da educação domiciliar no país.

Desde o início da pandemia da Covid-19, quando as escolas foram fechadas, Regiane passou a acompanhar de perto o processo de aprendizagem do filho. Ao perceber dificuldades em leitura e escrita no quinto ano do ensino fundamental, decidiu assumir diretamente a educação do menino. Mesmo após a reabertura das escolas, em março de 2021, a família optou por não rematriculá-lo. Essa decisão resultou em uma longa batalha judicial.

Multas, ameaças e risco de perda de guarda 

O Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) ajuizou uma ação alegando evasão escolar. Desde então, a Justiça já impôs duas decisões liminares obrigando a matrícula do estudante, sob pena de multa. Detalhes sobre o tema entraram em segredo de Justiça e não é possível consultar valores atuais. Em determinado momento, a possibilidade de acolhimento institucional da criança chegou a ser considerada. 

Apoio internacional e fundamentos legais do homeschooling

O caso atraiu o olhar da ADF International, entidade jurídica cristã com atuação global, que foi aceita como amicus curiae — termo jurídico que permite a colaboração de organizações especializadas nos processos judiciais sem que sejam partes diretas. Segundo Julio Pohl, consultor jurídico da ADF para a América Latina, a punição a Regiane “viola os direitos fundamentais garantidos pela legislação internacional de direitos humanos”. 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 26.3, e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos ratificados pelo Brasil, garantem aos pais a prioridade na escolha do tipo de educação de seus filhos. A própria decisão do STF de 2018, embora não tenha regulamentado a prática, reconheceu a constitucionalidade do homeschooling, cabendo ao Congresso definir normas para sua implementação. 

Em 2022, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 1338/22, que trata da regulamentação da prática. O texto, porém, ainda aguarda análise no Senado. 

Um precedente nacional 

Segundo Tales Melo, advogado da família Cichelero, o julgamento marcado para o dia 1º de julho pode estabelecer um precedente significativo para o homeschooling no Brasil. “Eu acredito, acredito não, eu tenho certeza: se nós perdermos o processo ou se nós ganharmos o processo, de qualquer forma nós estamos gerando um precedente positivo ou negativo”, afirmou em entrevista para a Gazeta do Povo. 

Para ele, o argumento central da defesa está no princípio do melhor interesse da criança e na ineficiência do Estado em oferecer uma educação de qualidade. “O Arthur se desenvolveu muito bem em homeschooling, coisa que a escola não conseguiu fazer para ele.” 

Tales também destaca o amparo legal que sustenta a escolha da família. “A própria constitucionalidade do homeschooling é declarada em um recurso especial de 2018, pelas mãos do ministro Alexandre de Moraes. A própria legislação civil compete aos pais a direção e educação dos filhos, isso está no Código Civil. E o próprio artigo sexto do ECA fala que, diante dos casos concretos, a lei precisa olhar para cada pessoa como um indivíduo.” 

Ele acrescenta: “Quando o Estado fere o princípio da eficiência e não entrega uma educação de qualidade, em nome do melhor interesse da criança, se o pai tem condições de oferecer algo melhor que a escola, então deixa com os pais. Afinal de contas, na Constituição vai dizer: compete ao Estado e à família educar a criança”.

O advogado ainda reforça que a decisão da Justiça catarinense poderá ter repercussões diretas para outras famílias que optam pela educação domiciliar: “Nós esperamos muito que seja um precedente positivo. E é lógico, se nós perdermos o processo aqui na segunda instância, nós não vamos parar. Se tiver meios ou falhas no acórdão que possibilitem um recurso especial, um recurso extraordinário, nós não vamos nos furtar da responsabilidade de fazer isso”.

Fé, disciplina e rotina no homeschooling

Cristã, Regiane também defende que a educação domiciliar permite à família transmitir valores morais e religiosos que considera essenciais. Ela se tornou uma referência entre famílias que adotaram o homeschooling no Brasil e hoje compartilha sua rotina nas redes sociais, onde tem milhares de seguidores. Sua rotina é marcada por estrutura e disciplina: as crianças acordam cedo, fazem devocional, têm momentos dedicados aos estudos e atividades extracurriculares. Segundo Regiane, a personalização da educação — adaptada ao ritmo e às aptidões de cada filho — é um dos maiores trunfos do modelo. 

Um julgamento que vai além do caso 

Mais do que uma disputa judicial isolada, o caso de Regiane Cichelero levanta uma discussão ampla sobre o papel do Estado na vida das famílias e sobre até onde vai a autonomia dos pais. Atualmente, estima-se que mais de 70 mil crianças e adolescentes sejam educados em casa no Brasil. A maioria dessas famílias vive na incerteza jurídica, sujeita a fiscalizações, notificações e até processos, como o enfrentado por Regiane. 



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