Trump e Lula duelam em eleição da OEA decisiva para STF

Estados Unidos e Brasil são os principais líderes de blocos opostos na eleição de três novos integrantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA) que exerce forte influência sobre governos, parlamentos e cortes judiciais da região, inclusive o Supremo Tribunal Federal (STF).
A votação acontece nesta sexta-feira (27), durante a Assembleia Geral da OEA em Antígua e Barbuda. A CIDH é composta por sete membros independentes, e o resultado do pleito pode alterar o equilíbrio interno da comissão pelos próximos quatro anos.
Há uma disputa entre duas visões de mundo distintas: de um lado, governos como o de Donald Trump e o do argentino Javier Milei, que buscam endurecer o combate a ditaduras esquerdistas como Cuba e Venezuela e conter o avanço de ideias “woke” em instituições multilaterais; de outro, governos como os de Lula e do presidente colombiano Gustavo Petro, que se apoiam em ideias bolivarianas sobre o destino da América Latina e se associam cada vez mais ao wokismo no campo dos direitos humanos.
O brasileiro Fábio de Sá e Silva, professor da Universidade de Oklahoma (EUA), é o candidato indicado pelo governo Lula. No Brasil, ele ganhou projeção ao sair em defesa do STF e do ministro Alexandre de Moraes nos episódios que se seguiram ao 8 de janeiro. Em audiência no Congresso dos Estados Unidos, afirmou que as denúncias de censura no Brasil eram sem sentido e que o STF agiu corretamente ao iniciar inquéritos por conta própria.
Os EUA lançaram como candidata a ativista cubana Rosa María Payá, filha do dissidente Oswaldo Payá, morto em 2012 em um episódio ainda não esclarecido que provavelmente teve a responsabilidade de agentes do regime cubano.
Além deles, os candidatos com mais destaque até agora são Carlos Bernal Pulido, jurista colombiano apoiado pelo Peru, e María Clara Galvis, indicada pela Colômbia sob o governo de Gustavo Petro. Galvis é associada a pautas feministas e à defesa da legalização do aborto. Bernal, por sua vez, é pró-vida, pró-família e pró-liberdade.
Os países-membros da OEA podem votar em até três nomes, e os três nomes mais votados no geral assumem mandato a partir de janeiro de 2026. A votação é secreta, mas governos costumam coordenar blocos ideológicos para eleger seus favoritos.
Há quatro membros da CIDH que vão permanecer no ano que vem: dois de perfil alinhado à esquerda e dois de perfil mais técnico. As três cadeiras em aberto podem definir a direção da comissão para os próximos anos.
“Acredito que o resultado desta eleição possa influenciar, sim, a orientação da CIDH, visto que há candidatos conservadores com chance de serem eleitos”, diz Maíra Miranda, doutora em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca.
Eleição do CIDH pode ter impacto no tratamento dado ao STF
A eleição na CIDH pode ter certa influência sobre o debate na CIDH em torno dos abusos do Supremo Tribunal Federal (STF) no Brasil.
No começo deste ano, a comissão veio avaliar a situação da liberdade de expressão no país. A missão, liderada pelo relator especial Pedro Vaca entre 9 e 14 de fevereiro, ocorreu após um convite feito pelo próprio governo Lula, por meio do Itamaraty, motivado por denúncias feitas pela oposição à OEA.
Para Maíra Miranda, é possível que a eleição influencie um eventual posicionamento da CIDH sobre a situação do Brasil. “Até o momento, a CIDH não se pronunciou sobre as denúncias feitas por vítimas de abusos originadas de decisões do Supremo, seja por meio de notas à imprensa ou concessão de medidas cautelares, o que normalmente acontece rapidamente quando são vítimas que são alinhadas ao espectro progressista. Cabe ressaltar que não deveria haver tal seletividade por parte de um órgão de Direitos Humanos que tem por princípio a não discriminação”, comenta.
É pouco provável que o relatório de Vaca seja influenciado pela eleição que ocorre nesta sexta, já que ele deve ser divulgado antes dos novos integrantes da CIDH assumirem. Contudo, na hipótese de que pelo menos dois candidatos a favor de liberdades fundamentais sejam eleitos para as três vagas em disputa, a tendência da OEA se modificaria, e futuros relatórios poderiam ser influenciados pela nova visão.
Ao contrário de eleições passadas, que despertaram pouco interesse de conservadores, na atual o esquerdismo da comissão está sendo confrontado. Nos EUA, a candidatura de Rosa María Payá, que é pró-liberdades, foi elevada a prioridade pelo secretário de Estado Marco Rubio, senador republicano da Flórida que tem raízes cubanas e histórico de combate ao socialismo latino-americano. Rubio recebeu pessoalmente Payá em Washington e pediu abertamente voto para sua eleição, afirmando que ela tornará a CIDH “mais eficaz, eficiente e atenta às pessoas”.
Payá é fundadora do movimento Cuba Decide e defende a realização de um plebiscito para que os cubanos escolham entre democracia e regime de partido único. Ela se tornou uma das principais vozes da oposição cubana no exílio.
Na direção oposta, o candidato Fábio de Sá e Silva, indicado por Lula, é publicamente defensor da escalada de autoritarismo que ocorre no Brasil. Em maio do ano passado, na mesma audiência sobre a situação da liberdade de expressão no Brasil no Congresso dos EUA que contou com depoimentos dos jornalistas Paulo Figueiredo e Michael Shellenberger, Sá e Silva foi o depoente escolhido pelos democratas. Ali, reproduziu as narrativas repetidas com frequência por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do governo Lula no Brasil.
“No dia 8 de janeiro de 2023, milhares de pessoas invadiram e vandalizaram as sedes dos três Poderes da República no Brasil. Isso não aconteceu do nada. Foi o resultado de um longo processo no qual políticos, influenciadores da mídia e outros, com forte presença nas redes sociais, trabalharam para desacreditar as instituições brasileiras”, disse.
“Existe uma crise na democracia e no Estado de Direito no Brasil? Se existe, não é porque os juízes estão tentando cumprir seu dever — ainda que de forma imperfeita, como qualquer ser humano. É porque estivemos muito próximos de um ponto em que os juízes se tornariam irrelevantes, subjugados por turbas que se recusam a seguir as regras do jogo”, acrescentou.
Diante do viés esquerdista que domina o órgão, a eleição de nomes como Rosa María Payá e Carlos Bernal é vista por governos de direita como essencial para garantir ao menos algum grau de imparcialidade na CIDH. Ambos já se manifestaram em defesa do devido processo legal e da liberdade de expressão.
Em geral, a CIDH não deixa de apontar os abusos de regimes autoritários. Nos últimos relatórios, Cuba, Venezuela e Nicarágua foram criticados por suas violações graves e sistemáticas de direitos humanos. Contudo, há uma tendência da comissão de ser leniente com abusos de governos de esquerda que considera democráticos, enquanto democracias de direita são tratadas, às vezes, com a mesma severidade que ditaduras.
Outro ponto de atenção é a tentativa de alguns dos membros da OEA de encampar pautas como aborto e ideologia de gênero. Em alguns casos, a CIDH tem pressionado países da América Latina a adotar legislações mais permissivas nesses temas.
Se prevalecerem candidatos como Payá e Bernal, a CIDH pode mudar essa orientação e também passar a questionar com mais vigor o autoritarismo do Judiciário brasilerio. Se vencerem perfis como María Clara Galvis, Fábio de Sá e Silva ou a candidata hondurenha com tendência esquerdista Reina Rivera Joya, é provável que a comissão preserve ou até intensifique sua atual agenda, em alinhamento com o governo Lula e com as decisões de Alexandre de Moraes.