O presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, admitiu nesta quinta-feira um cenário incômodo na economia, com inflação acima da meta de 3% e juros altos, depois da subida da Selic para 14,25% ao ano, na semana passada.
— O BC tem consciência de um momento mais incômodo, com a Selic caminhando para patamares mais elevados, com inflação ainda acima da meta — afirmou. — Desde dezembro, depois dos 300 base points (3 pontos percentuais), estamos ingressando em um patamar de Selic que é contracionista com alguma segurança, mesmo para quem tem juro neutro (que não aumente nem reduz a inflação) mais alto — disse, destacando que a Selic já está agindo para segurar a atividade econômica.
— É uma entrega de orçamento bastante significativo, que adentra em um patamar de taxa de juros contracionista, acima da neutra ou considerando a taxa de juros real, em um patamar historicamente elevado.
Segundo Galípolo, com o patamar de Selic elevado, o BC está “tateando” para verificar se a taxa Selic está contracionista suficiente para entregar a meta no horizonte relevante, observando o efeito defasado na atividade econômica, as expectativas desancoradas, que incomodam muito a autoridade monetária, e a inflação corrente. Além da inflação corrente e as expectativas, Galípolo ainda pontuou que o BC lida com uma “série de adversidades”.
— O BC entende como se dá esse mecanismo de transmissão. Dá um remédio agora e vai ter um efeito ao longo do tempo. A percepção se está funcionando ou não vai ser contada por uma série de dados ou indicadores que vai dizer se a dose está adequada ou não. É neste momento em que a gente está agora.
Depois de elevar a Selic em dois pontos percentuais apenas neste ano, durante a sua gestão, integrantes do governo Lula passaram a culpar o mandato de Roberto Campos Neto. Perguntado sobre isso, Galípolo destacou que já havia protagonismo em dezembro.
— Sobre o nosso processo de decisão, já tinha dito em dezembro, que o Roberto havia sido generoso que, em dezembro, eu pudesse assumir um protagonismo. Para além disso, todos os diretores têm autonomia. As decisões têm sido unânimes já há algum tempo. Não cabe a mim fazer comentários sobre falas do presidente (Lula) e do (Fernando) Haddad (ministro da Fazenda) — afirmou.
Para Galípolo, há um estranhamento no Brasil sobre a convivência com taxa de juros elevados e um dinamismo da economia.
— Temos convicção que o remédio funciona, mas a questão é porque precisa de doses maiores do remédio. Vamos precisar revisitar uma série de pontos, fazer reformas, para ter transmissão mais desimpedida. Isso conversa com a discussão do cavalo de pau.
Ele afirmou que há “clareza” do compromisso do BC na persecução da meta de inflação, cujo teto é de 4,5%.
— Acho curioso falar em suavização da meta depois de entregar 3 pontos de alta da Selic. Olhar para juro real elevada para o patamar histórico — afirmou.
Galípolo disse que o BC ainda não considera o novo crédito consignado e nem a reforma do Imposto de Renda nos seus cenários para inflação e crescimento.
— Temos visto desde lançamento do consignado estimativas que têm variado muito e diminuíram desde o lançamento. Há dúvidas sobre o quanto isso é fluxo novo de crédito ou mudança de dívida velha para nova. Mas é uma medida que vem olhando mais para uma questão estrutural do que conjuntural. Uma agenda antiga de substituir linha de alto custo do que baixo custo.
Galípolo ainda considerou que o comportamento mais favorável do câmbio recentemente responde tanto a uma maior atratividade do mercado brasileiro diante dos juros mais altos do que outros países pares quanto a uma avaliação de que o país pode sofrer menos com as tarifas de importação impostas por Donald Trump nos EUA.
—Em 2024, existia certa visão de que o México seria uma economia colheria benefícios de estar mais ligada ao EUA, em comparação ao Brasil. Agora, há uma visão de que, na comparação com os pares, em um cenário de choque tarifário, o Brasil pode sofrer menos.
O diretor de Política Econômica, Diogo Guillen, ainda afirmou que, no cenário internacional, a incerteza provocada pelas políticas de Trump já se traduz em um cenário de menor crescimento econômico. Mas ele comentou que é possível um cenário de maior inflação e menor crescimento, que é mais desafiador para a política monetária.
A entrevista é a primeira de Galípolo desde que tomou posse como presidente do BC, em janeiro. Antes, ele havia falado em dezembro, ainda como diretor de Política Monetária.
A fala vem uma semana depois de o Comitê de Política Monetária (Copom) elevar a taxa básica de juros, a Selic, de 13,25% para 14,25% ao ano.
Nesta quinta, o Banco Central reduziu a estimativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil este ano de 2,1% para 1,9%. Além disso, o BC sinalizou que só vê a inflação perto da meta (3,0%) no segundo semestre de 2027, conforme suas projeções oficiais, que levam em conta as estimativas da taxa Selic extraídas do Boletim Focus. No fim deste ano, a autoridade monetária calcula um risco de 70% de a inflação superar o teto da meta (4,5%), de 50% no relatório anterior, em dezembro.
Na ata divulgada na terça, o BC reconheceu que os dados dos últimos meses continuaram indicando sinais de “incipiente moderação do crescimento” econômico, mas sugeriu “parcimônia” nas conclusões.
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O Copom ainda destacou que o distanciamento das expectativas de inflação da meta de 3%, o que no jargão econômico se chama de desancoragem, sobretudo em prazos longos, torna a convergência mais desafiadora e “exige uma restrição monetária maior e por mais tempo do que outrora seria apropriado”.
A entrevista ocorre oficialmente para comentar o novo Relatório de Política Monetária (RPM). O RPM foi criado a partir do decreto que instituiu a meta de inflação contínua e substitui o Relatório Trimestral de Inflação (RTI), que era publicado pelo BC desde 1999.